junho 22, 2015

Leve

Sentia no corpo um prédio
Até explodir de emoções
.
Me multipliquei em fragmentos
Um deles virou pluma
.
Ainda era eu
Respirando a cor da queda
.
Livre

junho 07, 2015

Redes de silêncio

De faca em punho, o pescador desenredava suas possibilidades. Buscava pela fé. Temia tê-la afogado em seu oceano de esperanças. Eram tantas, que, por vezes lhe confundiam.

Estava ali, trilhado pelo vento nublado, escasso de palavras. Trocou poucas comigo. Perdia o olhar na rede vazia. Era a vida em reprise de uma frustração.

Foi silenciado pelo cansaço.

Era frágil a diferença entre a expectativa e a desilusão.

Carregava a sina que desafiou: prometeu ao tempo não abandonar o barco.

junho 04, 2015

Ausências

o que me move
e me paralisa
é o medo
de desconhecer
os próprios
abismos

Depois

Tenho a morte trancada na garganta. Descubro a dor de assistir a vida continuar. Não lembro de acompanhar tão de perto a existência dos outros - a nossa - seguir - estreita, pesada, igual - enquanto a de alguém, parte do mesmo elenco, foi interrompida pelo fim.

O tempo engoliu uma peça do jogo. E ainda assim o tabuleiro exige ação.

A rotina é o tumor da perda.

A mesa dele continuava intacta. O telefone, a calculadora, a agenda. Estava tudo ali. Sem ele.

A vida é esse labirinto que leva a gente sempre pro mesmo lugar.

Qual o propósito?

maio 26, 2015

À mãe


Nos últimos meses parece que reconstituímos o cordão umbilical. Não lembro de me sentir tão parte de ti como atualmente. Este 26 de maio é carregado de significados... E, especialmente, de amor. Contigo vivi e entendi o incondicional. E é imenso. A cumplicidade nos guiou na travessia de dias estreitos. Meu sono foi roubado pela insegurança entre as pálpebras e meu sorriso ganhou novas cores ao te interpretar plena. Acredito termos nos reencontrado neste processo, diante das tantas diferenças que nos distanciam. Elas ainda existem, mas não são maiores que o que nos une. (Sou gremista, prefiro esmalte escuro, dificilmente acredito no que não escuto ou enxergo - apesar de perder a lógica incontáveis vezes - e falo de tudo, menos dos meus nós.) Continuas o açúcar da minha limonada, sempre serás o som da minha gargalhada. Te admirar é rotina. Que tenhamos vida, força, esperança. Que cabelo não nos limite, que ninguém nos imponha, que nada nos defina. Que sejamos. Porque existimos separadamente juntas (ou juntamente separadas?). Tu és meu universo. És minha luz. Parabéns, mãe.

abril 15, 2015

Sobre sumir

A incerteza me apunhala.

Diários de uma vida


O tempo perpetuado na escrita. As lembranças de julho de 1972 são desbotadas em muitas memórias, completamente escuras em outras. Para Aldo Schmidt, 67, todavia, a época registra o início de um hábito que ele não deixaria esfriar. Naquele inverno, quando completava 25 anos, o jovem produtor rural escrevia as primeiras linhas de um diário que se tornaria reflexo de sua vida.

Aldo é o segundo filho mais velho de uma família de 12 irmãos. Com a escolaridade limitada ao 5º ano e as raízes cravadas na região da campanha, o trabalhador abasteceu o caderno, inicialmente, com lembranças latentes trazidas da infância. A palavra escrita está na tradição de sua família. Um irmão e duas irmãs também costumavam nutrir diários acerca de seus cotidianos. Porém, apenas Aldo redige ininterruptamente. Meticuloso, insere até horários de cada atividade descrita.

Na data dos primeiros esboços - 5 de julho, dia de seu aniversário - o agricultor morava com os pais na Colônia Santa Áurea, zona rural de Pelotas. A vida de solteiro e os acontecimentos mais relevantes de sua juventude estão anotados. Conforme novos períodos chegavam, os diários ampliavam - contudo, alguns anos estão armazenados em um mesmo. Hoje, Aldo escreve o 15º diário.

A cada releitura dos antigos cadernos, ele consegue reviver o passado. Desmancha-se em lágrimas emocionadas ao relembrar da troca de alianças com a companheira Nair, hoje com 65 anos, e o nascimento dos filhos Enoir e Mateus, de 35 e 28 anos, respectivamente. "Aqui está toda minha vida", ele aponta sorridente para os diários, guardados em uma antiga caixa de sapatos. Após a formação da nova família, Aldo e Nair, cujas origens também são fortemente vinculadas à agricultura familiar, passaram a viver na Colônia Santo Antônio.

Unidos, construíram a casa que hoje vivem e trabalharam de sol a sol em plantações de vassoura, milho, pêssego, laranja e em produção de leite. Nada está fora dos registros. Os relatos não são secretos, ainda que pessoais. Nair, além de parceira de vida, tem acesso a eles e narra os dias em que o marido está cansado para escrever. "Daqui a muitos anos não vamos existir mais. Os diários vão servir pros nossos netos e bisnetos terem contato com o passado deles, conhecerem a gente", ela argumenta. A produtora rural parou de estudar no 4º ano para ajudar a mãe nos afazeres domésticos e na lavoura.

 

Memória viva

Quando chove torrencialmente ou a seca toma as plantações, Aldo é detalhista. Temperatura e níveis de chuva, assim como dias sem água, são contabilizados. Também a fase da lua é relacionada. Na mesma época do ano seguinte, ele consulta os registros e compara a situação climática, em uma tentativa de prevenir o patrimônio da reprise de episódios negativos.

Apesar de fatalidades não serem passíveis de controle. O diário também carrega elementos de dor. Os mortos de Aldo e Nair estão cicatrizados nas páginas. Ao citar os nomes levados pelo tempo ele desenha ao lado uma cruz, em símbolo de luto. No fundo dos óculos, os olhos do agricultor pesam ao refrescar memórias tristes.

Rodeado pelas paredes azuis da cozinha, a escrita entra em sua rotina depois do jantar. Sentado à mesa, ele escreve, diariamente, mais um capítulo de sua vida, há 43 anos. Conteúdo sem roteiro preparado, a única certeza é que a cena deve se repetir hoje, atravessar estações e continuar pelos demais dias que seguem.

Dono de caligrafia miúda e entrelaçada, Aldo Schmidt desafia a era tecnológica e traça a própria história de caneta em punho. Já cogitou digitalizar os cadernos. Entretanto, bem-humorado, alega que isto ocuparia um tempo que ele não tem. Homem simples, não esconde a satisfação ao reencontrar-se nas próprias escolhas. A expressão serena revela: tem uma vida feliz.

Foto: Paulo Rossi
Reportagem veiculada no jornal Diário Popular, Pelotas (RS)

março 09, 2015

Vai o sossego, voltam as palavras

Acende o cigarro, pega a mochila, joga as roupas, carrega o peso da fuga. Será mais fácil de levar que a realidade? Consigo visualizar a cena de mais uma desistência para meu currículo. A consciência é forte como uma bigorna - e dá uma enxaqueca das brabas. "Cabeça-dura". Recua.

Guardo esses poréns viscerais, deixo expostas feridas que o tempo me abriu. Tenho tatuadas todas as perdas. Talvez eu sempre escreva sobre o luto do amor. Deus, como eu queria sentir aquela felicidade sofrida outra vez. Entre um dia nublado e uma madrugada de chuva, eu me sinto tão vazia que respirar é desafio. Aí me ocorre o desejo medíocre e desesperado de amarelar o sorriso. Já não lembro como é.

Morar na liberdade pode ser um tanto solitário. Eles sequer sabem que não inventei de ser livre, apenas me encaixei aqui. Literalmente. E da caixa a vida parece distante. É como se eu observasse os fatos da superfície, em uma constante apuração para reportagem.

Às vezes, duvido que existo. Talvez não me reconheça neste papel coadjuvante de uma obra planejada para triunfar. Meus enredos mal cabem no roteiro. A verdade é que ninguém escolhe que gênero de filme a vida será.

Um pouco da nossa infância morre quando crescemos e vivemos o oposto do que nos fizeram acreditar. Eu queria descobrir o que mereço. Que se for isso, a cama já pode me sepultar.

abril 15, 2013

Manhã pra ser inteira



Um dia acordei. Lavei o rosto. Enxuguei o tempo. Sequei o silêncio. Coloquei a roupa mais bonita. Pincelei o rosto com as cores do equilíbrio. No cabelo tentei dar nó, mas ele não me deixa dar mais que uma volta. Abri a janela. Nem notei o céu. Então, saí.

Um dia acordei. Recheei minhas malas. Enxuguei as lágrimas. Derramei dor no silêncio. Não lembro que roupa usei, mas a sensação de usada me vestiu bem. No cabelo um nó seguido de outro e eu sem lucidez pra desembaraçar o que o tempo fez comigo. Então, saí.

Um dia acordei. Ainda deitada, descobri que não aprendi a dividir, nem somar, multiplicar e sei lá o que é subtrair. Lavei o rosto, enquanto meu gato espiava de perto o que eu fazia. Não saí do pijama. Pensei em desfazer os nós do cabelo, mas notei que já era tempo de desatar o que tinha entre a garganta e o esôfago. Então, não saí. Pensei. Escrevi.

Um dia, outro dia, qualquer dia, até que venha a noite. Permitir, o desafio. Contrair, a sensação. Vomitar, a consequência. De manhã. O dia inteiro. Eu, pela metade. Não mais. Não ainda. Nem outra vez.