setembro 20, 2007

DE ONDE VIRÁ O GRITO?


Num texto anterior introduzi o conceito de "Ressentimentos Passivos ". Para relembrar, lá vai um trecho:


"Você também é mais um (ou uma) dos que preenchem seu tempo com ressentimentos passivos? Conhece gente assim? Pois é. O Brasil tem milhões de brasileiros que gastam sua energia distribuindo ressentimentos passivos. Olham o escândalo na televisão e exclamam "que horror". Sabem do roubo do político e falam "que vergonha". Vêem a fila de aposentados ao sol e comentam "que absurdo". Assistem a uma quase pornografia no programa dominical de televisão e dizem "que baixaria". Assustam-se com os ataques dos criminosos e choram "que medo". E pronto! Pois acho que precisamos de uma transição "neste país".


"Do ressentimento passivo à participação ativa". Pois recentemente estive em Porto Alegre , onde pude apreciar atitudes com as quais não estou acostumado, paulista/paulistano que sou. Um regionalismo que simplesmente não existe na São Paulo que, sendo de todos, não é de ninguém. No Rio Grande do Sul, palestrando num evento do Sindirádio, uma surpresa. Abriram com o Hino Nacional. Todos em pé, cantando. Em seguida, o apresentador anunciou o Hino do Estado do Rio Grande do Sul. Fiquei curioso. Como seria o hino? Começa a tocar e, para minha surpresa, todo mundo cantando a letra! "Como a aurora precursora do farol da divindade, foi o vinte de setembro o precursor da liberdade" . Em seguida um casal, sentado do meu lado, prepara um chimarrão. Com garrafa de água quente e tudo. E oferece aos que estãoem volta. Durante o evento, a cuia passa de mão em mão, até para mim eles oferecem. E eu fico pasmo. Todos colocando a boca na bomba, mesmo pessoas que não se conhecem. Aquilo cria um espírito de comunidade ao qual eu, paulista, não estou acostumado. Desde que saí de Bauru, nos anos setenta, não sei mais o que é "comunidade".


Fiquei imaginando quem é que sabe cantar o hino de São Paulo. Aliás, você sabia que São Paulo tem hino? Pois é... Foi então que me deu um estalo. Sabe como é que os "ressentimentos passivos" se transformarão em participação ativa? De onde virá o grito de "basta" contra os escândalos, a corrupção e o deboche que tomaram conta do Brasil? De São Paulo é que não será. Esse grito exige consciência coletiva, algo que há muito não existe em São Paulo. Os paulistas perderam a capacidade de mobilização. Não têm mais interesse por sair às ruas contra a corrupção. São Paulo é um grande campo de refugiados, sem personalidade, sem cultura própria, sem "liga". Cada um por si e o todo que se dane. E isso é até compreensível numa cidade com 12 milhões de habitantes. Penso que o grito - se vier - só poderá partir das comunidades que ainda têm essa "liga". A mesma que eu vi em Porto Alegre.


Algo me diz que mais uma vez os gaúchos é que levantarão a bandeira. Que buscarão em suas raízes a indignação que não se encontra mais em São Paulo. Que venham, pois. Com orgulho me juntarei a eles. De minha parte, eu acrescentaria, ainda: "...Sirvam nossas façanhas, de modelo a toda terra..."


Arnaldo Jabor

setembro 17, 2007

E se for?


Ela era pequena e tão sábia. Sabia quem era qual pelo olhar e movimento das mãos. Estava sempre observando movimentos, dos mais curtos e rápidos aos mais longos e demorados. Sabia muito bem que palavras podiam ser manipuladas, mas que gestos e olhares não toleravam tal leviandade. Era um extenso salão com intensos desejos. Dos mais absurdos. Por frente de tais, um tal falso moralismo, sorrisos fracos, almas vazias, cabeças fervilhando, corações frios. Parecia que tudo estava transcorrendo em câmera lenta. Cada piscar de olhos soava como um tijolo jogado no chão. As danças eram ensaiadas, a tensão era visível, as intenções perceptíveis. Devia-se ser muito atento para acompanhar cada passo, sem errar. Cada erro poderia ser fatal. Podia-se ser um novo alvo. Quem ousaria dançar outra música, em outro ritmo? Ela olhava para todos. Analisava cada um. Prestava atenção em suas sobrancelhas, em seus cílios. Pareciam tão alegres... Quem os dera, sê-lo - pensava. Não dançava. Não gostava da música, mas não queria atrapalhar. Ele errou. Alguns perceberam - ela também. Ele ficou nervoso. Olhou para os lados. Tudo girava em círculos. A música ainda tocava. Olhares discretos e severos foram em sua direção. Seu par o esperava dar continuidade, ao menos, até o final da música. Ele engoliu a respiração seca. Ela estava do outro lado do salão segurando uma taça, escondendo os lábios. Largou. Preocupou-se com ele, já os conhecia. Foi rápido em direção ao rapaz que não sabia dançar aquela música. Pegou-o pelo braço levemente e tirou-o dali enquanto a música ainda tocava - depois poderia ser pior o constrangimento. Ele não a conhecia. Ela usava uma coroa. Ele usava luvas, estava frio. Foram para o belo jardim. A noite estava linda, o inverno estava próximo. Quem é esta? - pensou ele. Desculpe se o surpreendi, queria evitar que passasse maior vergonha - ela disse. Ele olhava para ela, não sabia o que falar. Estava encantado. Ela estava séria, não queria mais conversa. Intimidou-se pelo olhar do rapaz - não intimidava-se com pouco. Aquele olhar devia ser profundo o bastante...

setembro 12, 2007


Às vezes perco a noção de muitas coisas. Perco a noção da hora, da temperatura, da força, da resposta, do jeito direto, do tom de voz (baixo), do tempo - não só aquele tal que os relógios marcam, mas aquele que só o coração entende, mesmo sem saber suportar -. Ultimamente tenho perdido a noção de como as pessoas mudam, e, fico acreditando que tudo continua igual ao que um dia foi. Descobri que essa minha crença de que "certas" pessoas nunca mudam é mentira. Eu é que não sou atenta às mudanças que o tempo traz consigo e faço papel de boba, vivendo, perdida, em outro planeta. A culpa é minha, é claro. Ninguém tem culpa de mudar. Nem eu.

Quem é que nunca quis voltar no tempo? Se eu soubesse como seria o presente momento, certamente voltaria para mudar "grandes" detalhes e poder estar vivendo em paz agora, e não perdida. Digo, em paz comigo mesma, com o mundo também... Sentada na rua, tomando chimarrão e sentindo a brisa leve da tranqüilidade e paz interna. Deixando o tempo passar e realizar suas mudanças naturais, sem me preocupar se é hora ou não. Com a mesma falta de noção de agora, mas com besteiras alegres e riso mais solto.

Sinto que, admitindo meus erros, aprendo a cair do cavalo e levantar o corpo com mais força, mesmo que com certa tristeza. Amadureço. Pois é, às vezes dá vontade de ser, pra sempre, criança e viver no meu planeta Alienação...
Para onde eu estava indo mesmo?


(Uma dose suave de U2 pra mim, por favor)