abril 15, 2013

Manhã pra ser inteira



Um dia acordei. Lavei o rosto. Enxuguei o tempo. Sequei o silêncio. Coloquei a roupa mais bonita. Pincelei o rosto com as cores do equilíbrio. No cabelo tentei dar nó, mas ele não me deixa dar mais que uma volta. Abri a janela. Nem notei o céu. Então, saí.

Um dia acordei. Recheei minhas malas. Enxuguei as lágrimas. Derramei dor no silêncio. Não lembro que roupa usei, mas a sensação de usada me vestiu bem. No cabelo um nó seguido de outro e eu sem lucidez pra desembaraçar o que o tempo fez comigo. Então, saí.

Um dia acordei. Ainda deitada, descobri que não aprendi a dividir, nem somar, multiplicar e sei lá o que é subtrair. Lavei o rosto, enquanto meu gato espiava de perto o que eu fazia. Não saí do pijama. Pensei em desfazer os nós do cabelo, mas notei que já era tempo de desatar o que tinha entre a garganta e o esôfago. Então, não saí. Pensei. Escrevi.

Um dia, outro dia, qualquer dia, até que venha a noite. Permitir, o desafio. Contrair, a sensação. Vomitar, a consequência. De manhã. O dia inteiro. Eu, pela metade. Não mais. Não ainda. Nem outra vez.

março 18, 2013

Espirais

a cada cigarro

trago nossas mais felizes lembranças

sempre embaladas

pelos espirais de fumaça

e do pulmão eu as expiro

todas

em um ritmo lento

cada noite menos denso

e me sinto livre

do que já não pertenço

janeiro 31, 2013

Um pouco também


Um pouco fortaleza, um pouco superfície.
Um pouco Renata, um pouco difícil.
Um pouco direta, um pouco sensível.
Um pouco terrena, um pouco incrível.

Um pouco noite, um pouco escura.
Um pouco abraço, um pouco fúria.
Um pouco doída, um pouco cura.
Um pouco azeda, um pouco doçura.

Um pouco sem sono, um pouco sem chão.
Um pouco cansada, um pouco na mão.
Um pouco inovadora, um pouco jargão.
Um pouco sensata, um pouco não.


janeiro 14, 2013

Pai

Te devo meus olhos, minhas sobrancelhas e minhas mãos. Te devo meu extremismo e te devo meu equilíbrio. Te devo minha falta de paciência, minha implicância e meu ritmo lento em cada refeição. Te devo minha ira e te devo meu silêncio. Te devo minha facilidade de chorar e meu amor pelo campo. Te devo a maioria dos ingredientes do meu temperamento e, principalmente, te devo minha teimosia. Te devo ser reflexo de como tu és e nunca te devo altura em minhas respostas. Te devo uma série de comentários e me deves ver como a mulher que me torno. Não te devo saudades. Não me deves nossa história. Te devo existir e viver tão forte em um mundo tão áspero.

dezembro 11, 2012

Curtas

talvez
se
quando

aquela que chega
sempre certa
quando ponteiro do tempo
marca os números tortos
cadê a placa?
não sei ler horas

qual é o tempo
sobre o período
da tua alma?

com que frequência
visitas
o caminho
da minha porta?

te olho e vejo
outro rosto
não o mesmo
com desgosto
mas um outro
que não é teu

que a estrada me guie
por onde o meu guidom
não quiser
curvar

outubro 16, 2012

Bruta

Meu jeito brusco de buscar me rabisca o peito e não me inventa em nada
Minha busca não tem rascunho e rabisca o mais robusto dos brutos
Daí me olho e me desfaço como quem busca entender sutilmente
o impulso quase brusco de querer buscar
Coração rabiscado já é bruto e é sempre brusco quando quer se levantar
Brutalidade breve, mansa
Ou é agora ou é nunca e é sempre nunca quando sou brusca ao inventar
de não querer buscar
Mas o que eu quero - o que quero? Quando quero invento de buscar bem brusca
E rabisco o que encontro na tentativa de inventar
um jeito menos brusco no rascunho do que sou
Como quem ama que cega a busca de não ser brusca a pedra bruta do amor

setembro 18, 2012

Tempestade inconsciente

Em dias de chuva percorremos corredores internos e abrimos portas de lugares que não visitamos com frequência. Geralmente, são quartos escuros. Ambientes cheios de poeira que, por alguma inclinação, não recebem atenção frequentemente. A chuva nos coloca em posição direta de reflexão. Se a rotina não permite este foco os intervalos entre tarefas se encarregam de fazer a mente voar. Dia de chuva é dia de faxina.

Quando damos por nós estamos fitando as paredes, esperando respostas. Respostas que não vêm de perguntas conscientes. Esperamos entender coisas, pessoas e situações que em dias de sol aceitamos não terem razão ou sentido. Aceitamos porque ignoramos. Quando há chuva não há espaço para pensamentos rasos. Acredito que dias cinzas chegam, ironicamente, para iluminar. Ao fazermos esse passeio interno reconhecemos cada enfermidade. Focamos no que foi interrompido e, com sorte, conseguimos sarar alguma dor.

Nuvens escuras nunca se instalam sozinhas. Basta observar. Elas precisam umas das outras, como uma família. Como ovelhas que sempre andam em grupos. Talvez o motivo seja a própria fragilidade de uma nuvem. Sozinha ela não se sustenta. Não se encontra. Sozinha ela apenas vaga no céu. Vaga como o sensível cordeiro quando é separado de seu rebanho. Não há nuvem que resista ao sol. O choro de todas elas juntas, durante a tempestade, é quase desesperador. No entanto, ele não é retórico. Há momentos em que só a força de uma enorme tempestade para nos fazer realocar a intensidade que tanto depositamos em coisas, pessoas e situações erradas.

setembro 13, 2012

Tanto


Tem dia que pesa mais. Tem fase que a cruz parece de ferro. Tem noite que a nuvem atrai mais que a lua. Tem hora que o relógio parece parar. Tem momento que a escuridão sobrepõe a luz. Tem suspiro que precisa de silêncio. Tem silêncio que parece enlouquecer. Tem surto que é doentio. Tem lágrima que parece inundação. Tem gente que não sabe chorar. Tem excesso que borra o sangue. Tem sangue que precisa de agulha. Tem agulha que assusta olho. Tem olho com medo de pele. Tem pele de tanta cor. Tem cor que falta em tanta gente. Tem tanto que é tão pouco. Tem tão pouco que é sempre quase. Tem tanto dentro de mim. Tanto que precisa ser suave. Tem nada que é libertador. Tem gente que entende nada. Tem tanto que mancha a gente. Tem mancha que só fogo apaga. Tem fogo que parece não aquecer.

julho 09, 2012

Desproposital

E quando a retina do peito
Engole a seco a súplica da pálpebra
O arrepio imuniza o pensamento
E o todo vira cor
Na nudez de quem tem medo

Continuação

A tua luta é sequer efêmera
Ela começa quando eu chego
E termina quando tu me olhas