setembro 17, 2007

E se for?


Ela era pequena e tão sábia. Sabia quem era qual pelo olhar e movimento das mãos. Estava sempre observando movimentos, dos mais curtos e rápidos aos mais longos e demorados. Sabia muito bem que palavras podiam ser manipuladas, mas que gestos e olhares não toleravam tal leviandade. Era um extenso salão com intensos desejos. Dos mais absurdos. Por frente de tais, um tal falso moralismo, sorrisos fracos, almas vazias, cabeças fervilhando, corações frios. Parecia que tudo estava transcorrendo em câmera lenta. Cada piscar de olhos soava como um tijolo jogado no chão. As danças eram ensaiadas, a tensão era visível, as intenções perceptíveis. Devia-se ser muito atento para acompanhar cada passo, sem errar. Cada erro poderia ser fatal. Podia-se ser um novo alvo. Quem ousaria dançar outra música, em outro ritmo? Ela olhava para todos. Analisava cada um. Prestava atenção em suas sobrancelhas, em seus cílios. Pareciam tão alegres... Quem os dera, sê-lo - pensava. Não dançava. Não gostava da música, mas não queria atrapalhar. Ele errou. Alguns perceberam - ela também. Ele ficou nervoso. Olhou para os lados. Tudo girava em círculos. A música ainda tocava. Olhares discretos e severos foram em sua direção. Seu par o esperava dar continuidade, ao menos, até o final da música. Ele engoliu a respiração seca. Ela estava do outro lado do salão segurando uma taça, escondendo os lábios. Largou. Preocupou-se com ele, já os conhecia. Foi rápido em direção ao rapaz que não sabia dançar aquela música. Pegou-o pelo braço levemente e tirou-o dali enquanto a música ainda tocava - depois poderia ser pior o constrangimento. Ele não a conhecia. Ela usava uma coroa. Ele usava luvas, estava frio. Foram para o belo jardim. A noite estava linda, o inverno estava próximo. Quem é esta? - pensou ele. Desculpe se o surpreendi, queria evitar que passasse maior vergonha - ela disse. Ele olhava para ela, não sabia o que falar. Estava encantado. Ela estava séria, não queria mais conversa. Intimidou-se pelo olhar do rapaz - não intimidava-se com pouco. Aquele olhar devia ser profundo o bastante...

Um comentário:

Ricardo disse...

Renatinha.
Muito bom o que acabo de ler. Fiquei aqui imaginando cada olhar e passo dado por ela e ele. Como falar, ouvir, escrever e ler sobre tais olhares é bom. Melhor que olhares carregados de sentimentos, só o Paimei passando a mão na barba. Hehe. Beijão...
(muito "nhó" esse texto)